Conheça a história de Ze Francisco, Um Velho Chico no Velho Chico
Imagem Uol Notícias |
Dono de uma pousada no sertão de Alagoas, Zé Francisco é um guia
para desvendar as belezas da caatinga e dos cânions do rio com o qual
divide um nome
O árido sertão alagoano arde sob um sol de 47°C de fins de
novembro. Não há uma única nuvem no céu azul. Olhando rapidamente,
parece uma terra castigada, feita de rochas, pedregulhos, galhos
retorcidos, folhas ressecadas e cactos, muitos cactos. Mas é ali, nos
cânions do Rio São Francisco, que o agricultor José Francisco Silva para
e diz: “Não é linda a caatinga?”
Zé Francisco é um senhor
simples, grisalho e franzino. Aos 76 anos, veste sandálias sertanejas,
camiseta surrada e chapéu de palha. Diariamente ele se embrenha na mata
branca, liderando trilhas “interpretativas” da caatinga: a cada passo,
compartilha conhecimentos sobre o bioma, que abriga 178 espécies de
mamíferos, 117 de répteis, 591 de aves, 241 de peixes e 221 de abelhas —
e, a cada palavra, o solo, que se apresentava inóspito, vai ganhando
vida. “É craibeira, juazeiro, macambira, imburana, umbuzeiro... Se a
gente se perde no sertão, dá pra improvisar cordas com as fibras das
árvores, escovar os dentes com as folhas de juá, arranjar água dos
caules e dos frutos. É um mundo inteiro”, conta Zé Francisco, esfregando
o leite de uma folha nos braços torrados pelo sol.
A transposição deste velho Chico se deu em dezembro de 2005, quando o
agricultor aposentado, que dedicou duas décadas à instituição
filantrópica Fundação de Amparo ao Menor, a Fundanor, saiu da
cidadezinha de Traipu e fincou raízes nos confins de Delmiro Gouveia, a
300 km de Maceió, onde construiu o Mirante do Talhado. Na época, Zé
Francisco foi tido como forasteiro louco, por abrir uma pequena pousada
no fim do mundo, mas teimou: construiu chalés simples e rústicos — para
não dizer brutos —, que por fim atraíram diversos visitantes e lhe
renderam reconhecimento inclusive do Ministério do Turismo, em 2010.
A fama de desbravador visionário se alastrou pelo sertão, e Zé
Francisco ficou marcado como o “mago” da caatinga, por seu tom
reverencial e seus trejeitos carismáticos, quase místicos. Seu Mirante
avista o Riacho Talhado e os cânions do Rio São Francisco, com lugares
para a prática de rapel, tirolesa e trilhas, atividades de aventura que o
senhor septuagenário faz sem pestanejar. Em 2011, a novela Cordel Encantado,
da Rede Globo, foi gravada ali. Na trama, uma carruagem despencava de
um desfiladeiro. Zé Francisco acompanhou a gravação da cena em que a
peça se arrebentava nas rochas do rio. Voltou no dia seguinte, fez rapel
no desfiladeiro e resgatou a carruagem estraçalhada que, depois de uma
reforma, decora a entrada de seu Mirante.
A principal trilha da região tem 2,5 km. Seria uma travessia simples,
não fossem as altíssimas temperaturas. Zé Francisco pede para que os
visitantes andem em fila indiana, para não alargar o caminho e, assim,
causar menos impacto à caatinga. “Gostou? Mas é só pra olhar, viu?”,
diz. “Não queira levar pedras, fruto ou folha de lembrança. Deixa pra
que o próximo também tenha a oportunidade de ver essa beleza.” Depois da
caminhada, é preciso descer uma escada de madeira improvisada para
molhar os pés e finalmente mergulhar nas águas verdes do famoso rio.
Zé
Francisco se tornou uma das principais lideranças dos ribeirinhos no
projeto Caminhos do São Francisco, que buscam desenvolvimento
socioeconômico com o turismo ecológico nos cânions. “O viajante é
bem-vindo, mas minha irmãzinha...”, diz à meia voz, como quem confessa
segredos do sertão, “a gente precisa ter uma palavrinha amiga para dizer
para a mãe terra — e é de cabeça baixa, sinal de respeito”. E
cabisbaixo, Zé Francisco suspira: “Tudo isso era mar, dá pra imaginar?
Mas secou... E quando secou ficaram fendas ‘pedrificadas’, que um dia
tiveram uns 150 metros de altura. O vento, o sol, o tempo talharam essa
belíssima escultura”. Na caatinga, o velho Chico tenta ensinar, vale a
máxima: “A beleza está nos olhos de quem vê”.
Por Uol Notícias
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