Detento aprovado no Enem ensinava matemática dentro de presídio de Itaitinga


O preso, condenado a 9 anos de reclusão, espera da liberação     judicial para cursar Matemática na Universidade Federal do Ceará (UFC)
                        Unidade prisional CPPL em Itaitinga (FOTO: Reprodução)
Unidade prisional CPPL em Itaitinga (FOTO: Reprodução)

Caso não tivesse que cumprir nove anos de reclusão, o detento F.A.O. não tinha o que reclamar. Há dois anos e meio encarcerado no Instituto Presídio Professor Olavo Oliveira III (CPPL), localizado no município em Itaitinga, na Região Metropolitana de Fortaleza, o presidiário é um dos oito cearenses privados de liberdade classificados na primeira chamada do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) deste ano.
Condenado por tráfico de drogas, segundo ele sem culpa, o presidiário ficou entre os classificados para o curso de Matemática da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Em entrevista ao Tribuna do Ceará, o homem de 34 anos contou que se destacava pelo bom convívio e nos ensinamentos de matemática aos colegas. Segundo o presidiário, seus planos envolvem um futuro melhor para as filhas, que têm 7 e 14 anos. “A decisão de fazer essa prova foi a de provar que eu sou capaz de me dar uma vida melhor e, principalmente, de mostrar para as minhas filhas que todos são capazes de seguir um bom caminho e de mudar”, assinalou.

Entre aproximadamente 6 mil detentos, o futuro aluno da UFC conta emocionado o que espera para este ano. “Minhas expectativas são as melhores possíveis, porque essa é uma forma de mudar minha vida. Hoje, eu procuro plantar o melhor, pois eu sei que eu vou colher no futuro o que eu plantei hoje, independente do local onde eu esteja. Então, se eu quero mudar meu futuro, tenho que começar agora, e esse ano será de mudanças”, destaca.
“No Brasil não existe pena de morte. Mas, quando um cidadão que nunca foi um criminoso é condenado, é o mesmo que sentenciá-lo a pena de morte”. (Presidiário aprovado no Enem)
Faltando pelo menos seis anos para conseguir a liberdade, o detento afirma que não teve culpa no crime que foi condenado. “Eu estava no local errado na hora errada. Eu era taxista de táxi pirata e dois caras com droga foram fazer uma corrida. A polícia parou o carro e achou que eu estava com eles, me condenando por tráfico”, alegou.
Mas, para conseguir estudar, o interno depende de uma autorização judicial. No entanto, conforme a Secretaria da Justiça e Cidadania (Sejus), uma articulação está sendo feita junto a Defensoria Pública do Estado para garantir que os presos aprovados no Enem consigam se matricular e cursar normalmente. Para obter a autorização, o juiz responsável pelo caso deve avaliar todo o processo e identificar se o detento tem ou não condições para cursar ensino superior.

Entretanto, para o recém-aprovado, a expectativa é grande. “Eu espero que essa aprovação abra os olhos da Secretaria para que eles liberem a autorização para que eu e meus colegas possamos cursar uma universidade e mostrar que realmente vamos fazer, porque queremos mudar de vida”, ressalta.
Entre as principais dificuldades encontradas está no ato da matricula. Segundo o diretor da escola prisional E.F.M Aloísio Léo Arlindo Lorscheider, os coordenadores ajudam no processo de cadastro, mas muitas vezes a situação não tem resultado positivo devido a logística e autorização judicial.
“Nós muitas vezes vamos juntos com a família à instituição de ensino fazer a matrícula, pegando documentação, etc. Mas muitas vezes temos dificuldades, até porque não conseguimos reunir tudo em tempo necessário ou o próprio detento não é permitido sair da unidade”, afirma Raimundo Nonato.



Detento – que não teve o nome revelado – foi aprovado no curso de Matemática da UFC (FOTO: Matheus Ribeiro / Tribuna do Ceará)

Preparação

Em um período diferente do exame tradicional (geralmente um mês depois), os detentos são submetidos ao Enem PPL – Exame Nacional do Ensino Médio para Pessoas Privadas de Liberdade. Dentro das unidades prisionais, os encarcerados têm aulas quatro vezes por semana durante duas horas por dia.
Além de matérias básicas, as aulas também apresentam foco voltado para o vestibular, como explica o diretor Raimundo Nonato. “O trabalho tem um comprometimento voltado para dar oportunidade ao detento de ressocialização. A intenção é possibilitar que ele entre na faculdade ou tente adquirir o certificado do ensino médio”, destaca.

Contudo, para conseguir êxito, é preciso dedicação fora do período comum de aula. Segundo o encarcerado, a leitura foi fundamental para obter o resultado positivo na prova. “Fora da escola eu me preparei lendo. Eu sou uma pessoa que leio muito a bíblia, e esse tipo de leitura ajuda muito no desenvolvimento da redação, pois a gente adquire a acentuação correta das palavras e a escrever corretamente, na concordância que é pra ser escrito”.

O encarcerado ainda conclui que o período de estudo fora da unidade lhe ajudou bastante. “Eu nunca parei de estudar, fui gerente de empresa, fiz cursos de especialização nessa área. Quando eu entrei aqui, tinha uns livros velhos de Enem e eu comecei a ler e ensinar as outras pessoas. Então quando surgiu a oportunidade do Enem, eu resolvi logo fazer, a princípio por teste de conhecimento. Mas tem gente que não tem essa oportunidade, então por isso eu sou a favor das cotas para presidiários”, disse.

Além da nova oportunidade de vida proporcionada, os detentos possuem incentivos para poder se dedicar aos estudos enquanto cumprem pena. De acordo com a Sejus, a cada 12 horas estudadas o preso recebe o direito de diminuir três dias do tempo de reclusão. Ao todo, nove unidades prisionais de ensino fornecem instrução básica aos detentos, sendo seis delas em Itaitinga, uma em Maracanaú e uma em Pacatuba.

Por Tribuna do Ceará

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