Eleições: cidades seguras, um desafio também para prefeitos

GCM em frente a prefeitura, no Viaduto do Chá, região central. (Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil)

Propostas para reduzir a violência, enfrentar o crime e aumentar a sensação de segurança entre os cidadãos destacam-se na propaganda eleitoral e nos debates entre candidatos a prefeito. E não é só: muitos dos que disputam vagas de vereador nos 5.570 municípios brasileiros também prometem solução para os problemas do setor – às vezes, extrapolando as atribuições do cargo, que são fiscalizar o Poder Executivo municipal e propor leis de alcance local.

Candidatos que disputam este ano o cargo de prefeito em várias cidades brasileiras defendem a ideia de armar a Guarda Municipal. Em uma das principais capitais nordestinas, um dos candidatos se compromete a instalar, por meio de convênio com o governo estadual ou federal, câmeras de reconhecimento facial nas ruas. Em todo o país, aspirantes a comandar prefeituras afirmam que, se eleitos, vão criar ou fortalecer as secretarias locais de Segurança Pública, prometendo “pegar pesado” na questão.

Para especialistas, mesmo em um ano marcado pela covid-19 e pelos efeitos econômicos da pandemia, cujos reflexos são mais perceptíveis nas cidades, a preocupação com a segurança pública ainda  mobiliza eleitores e candidatos – segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número de candidatos oriundos de corporações como as Polícias Federal, Rodoviária Federal, Militar e Civil e também das Forças Armadas aumentou de 7.041, em 2016, para 7.258 neste ano.

“A segurança pública não costumava ser um dos principais focos das eleições municipais. A tendência veio se modificando ao longo dos últimos anos, e o tema passou a ocupar lugar central nos debates. Considerando o aumento da participação de policiais e de outros agentes ligados à segurança, a tendência é que o tema ganhe ainda mais espaço”, afirmou à Agência Brasil a diretora executiva da organização não governamental (ONG) Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo.

Advogada e cientista social, Carolina questiona o fato de parte das propostas de campanha focar em ações repressivas: “É sempre na lógica de reproduzir o que o Estado já faz. Por exemplo, prometendo fortalecer a Guarda Municipal e investir em mais tecnologia [de vigilância]. A meu ver, esta não é uma agenda na qual os municípios mais têm a contribuir.” Carolina destaca ainda a indefinição quanto ao que cabe aos órgãos públicos municipais fazer nesse campo.

Guardas

Ao tratar da segurança em seu aspecto mais amplo, como um direito fundamental a ser assegurado aos brasileiros e estrangeiros que vivem no país, a Constituição Federal  autoriza os municípios a criarem suas próprias guardas, “instituições de caráter civil, uniformizadas e armadas”, para proteção dos bens, serviços e instalações municipais.

A principal regra a que estão sujeitas tais forças locais é o Estatuto Geral das Guardas Municipais. O estatuto estabelece que, observadas as atividades de competência da União (executadas pela Polícia Federal e pela Polícia Rodoviária Federal) e dos estados (polícias civis e militares e bombeiros), cabe às guardas municipais colaborar com outros órgãos de segurança pública para manter a paz social; atuar preventivamente para proteger as pessoas no âmbito municipal; prevenir, inibir e coibir qualquer ato que atente contra os bens, serviços e instalações municipais; prestar auxílio em casos de emergência; discutir com a sociedade propostas de soluções de problemas e de melhoria das condições de segurança da comunidade, entre outras atribuições.

Para Carolina Ricardo, mesmo que não definindo “de forma tão concreta” o que cabe aos municípios fazer, a legislação diz que os prefeitos têm a responsabilidade de complementar as ações de prevenção e controle da violência.

“Aos municípios cabe implementar políticas prioritariamente preventivas; programas que ataquem as causas e os fatores de risco que ampliam as chances de a violência acontecer. As prefeituras podem, por exemplo, capacitar profissionais de creches e escolas para identificar casos de violência doméstica e encaminhar as vítimas para receber atendimento qualificado. Formar mediadores para lidar com a violência e conflitos escolares ou capacitar a infraestrutura urbana para termos espaços iluminados e seguros que as pessoas possam ocupar, tornando-os locais de convivência mais seguros”, disse a diretora executiva do Instituto Sou da Paz. Segundo Carolina, embora pareçam modestas, medidas como estas podem contribuir para interromper o ciclo de violência.

No entanto, ressalta a advogada e cientista social, os candidatos ainda têm “o fetiche” de botar a guarda municipal nas ruas e armá-la. “Isso é importante, mas não é o principal. Para isto [o policiamento ostensivo] já temos as PMs [polícias militares]. As guardas municipais podem ser uma referência para mediar conflitos e fazer uma boa cooperação com as demais forças de segurança do Estado”, concluiu.

Prevenção

Para a socióloga Fabia Berlatto, professora da Universidade Federal de Paraná (UFPR), o principal papel das prefeituras e câmaras municipais em termos de segurança pública é investir em prevenção. Segundo a socióloga, a execução de políticas sociais de saúde, educação e assistência social pelos municípios é fundamental para prevenção e enfrentamento da criminalidade e aumento da sensação de segurança.

“Há também o planejamento urbano, com sua capacidade de influenciar as formas de ocupação do espaço. Não adianta apenas iluminar, encher de câmeras de alta resolução e tudo continuar vazio”, disse Fabia, destacando a importância do cruzamento de diferentes indicadores para melhor definição das ações públicas. “Os gestores municipais precisam trabalhar com informação precisa. Os diferentes setores da gestão pública local precisam trabalhar em conjunto. Para isso, é necessária uma boa interlocução entre as burocracias, inclusive de diferentes níveis [de poder, como estados e governo federal].”

A socióloga adverte que, ao pesquisar em quem votar, o eleitor deve observar o programa de governo dos candidatos como um todo, considerando aspectos além da segurança pública. “A prevenção à violência e ao crime não vem unicamente do trabalho policial. Já vivemos o suficiente para entender isso. Investimos cada vez mais recursos nesse sentido e estamos nessa situação”, disse Fabia. Ela ressalta que está ao alcance dos municípios executar políticas de segurança comunitária e de fortalecimento dos canais de apoio às vítimas de violência, bem como programas educativos sobre drogas e igualdade de gênero e raça e de apoio a reinserção de egressos do sistema prisional.

“É necessário pensar no longo prazo, e não no imediatismo e, principalmente, não agir de improviso. É preciso investir nas guardas municipais, mas não de forma a militarizá-las, até porque, seu poder de polícia é limitado – e assim deve permanecer. É importante treiná-las e aproximá-las dos cidadãos, investir em uma guarda comunitária. Envolver a sociedade civil, criar conselhos e capacitar pessoal [servidores municipais] para elaborar e avaliar projetos. Há muito improviso no setor e, por isso, muito dinheiro público [federal e estadual] é devolvido ou mal investido”, concluiu a socióloga.

Agenda

Recentemente, o Instituto Sou da Paz lançou a Agenda São Paulo Mais Segura, que apresenta uma série de propostas para os candidatos à prefeitura da capital paulista. O objetivo é ajudar o futuro prefeito a tomar medidas para reduzir a violência em um contexto em que a pandemia de covid-19 acarretou “mudanças na dinâmica da violência” nas cidades e impôs novos desafios aos governantes.

Segundo a diretora executiva da ONG, Carolina Ricardo, se forem levados em conta os diferentes contextos, as propostas da agenda aplicam-se a qualquer cidade brasileira.

O instituto propõe que a segurança pública seja uma das prioridades do próximo prefeito da capital paulista. E que as ações da futura equipe de governo tenham como base evidências técnicas e que não se interrompam iniciativas promissoras já em curso. A agenda destaca ainda a importância da colaboração com os órgãos estaduais e federais, “independentemente da afinidade político-partidária”, e com organizações não governamentais.

Em relação à governança da segurança cidadã, o Sou da Paz propõe a coleta sistemática de dados de diferentes secretarias para identificar as vulnerabilidades em diferentes áreas da cidade. Sobre o trabalho das guardas civis, o instituto defende atuação prioritária em áreas de maior incidência criminal e com presença de grupos vulneráveis.

Outras sugestões são disponibilizar mais creches e melhorar os serviços de saúde básica como formas de enfrentar a violência contra a mulher, e a instituição de políticas que priorizem o bem-estar individual, a proteção comunitária e ações para tentar reduzir os danos causados pelo uso abusivo de drogas. O instituto também defende mais investimentos em políticas para adolescentes e jovens que proporcionem geração de renda e alternativas de lazer nas regiões periféricas.

Por Alex Rodrigues / Agência Brasil

 

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