Líder dos Índios Xucuru Kariri é assassinado na aldeia em Palmeira dos Índios
João Natalício dos Santos
Xukuru-Kariri, histórica liderança dos povos indígenas do Nordeste, foi
assassinado a facadas na madrugada desta terça-feira, 11, na porta da
casa onde vivia, na aldeia Fazenda Canto, Terra Indígena Xukuru-Kariri, a
7 km da cidade de Palmeira dos Índios, Alagoas.
Seu João, como era chamado,
participou ontem da abertura do II Seminário Pedagógico: A Caminhada dos
Guerreiros e Guerreiras Xukuru-Kariri, que trouxe a memória de Maninha
Xukuru-Kariri, morta há dez anos.
A foto acima, durante a atividade, foi o último registro
de Seu João — que está de boné, camisa de botão e bermuda. De acordo
com o chefe da Coordenação Técnica Local (CTL) da Fundação Nacional do
Índio (Funai), Cristóvão Marques da Silva, presente na aldeia Fazenda
Canto, até o final da manhã o corpo ainda estava no local no aguardo da
perícia da Polícia Civil e do Instituto Médico Legal (IML). “Eu estive
na delegacia para agilizar os procedimentos e ao que parece, além das
facadas, João foi atingido também por disparos de arma de fogo”, explica
Silva.
O apelo da morte é tamanho que indígenas de todo o
território foram para a casa de Seu João. Por volta das 4 horas da
madrugada, enquanto Seu João se preparava para ir ao roçado que
mantinha, dois indivíduos não identificados chamaram a liderança. O
indígena saiu da casa para ver quem era. Com alguma conversa atraíram o
Xukuru Kariri e desferiram os golpes de faca; também os disparos de arma
de fogo, a serem confirmados pela perícia. Ao que tudo indica, os
assassinos conheciam Seu João. “A região tem um histórico de violência
por conta da luta pela terra. Seu João era uma liderança antiga do
povo”, afirma uma liderança Xukuru-Kariri que não identificamos por
razões de segurança.
O indígena explica que a aldeia Fazenda Canto é composta
pelos 72 hectares demarcados em 1952, onde Seu João morava, e pela
retomada realizada nos últimos anos e parte da demarcação em curso pela
Funai, mas paralisada. Integrantes do Conselho Indigenista Missionário
(Cimi) estiveram ontem com Seu João, na abertura do Seminário com a
tradicional procissão do povo com a imagem de Nossa Senhora Aparecida.
“É uma situação muito triste. Ele estava feliz e falando da luta do povo
pela terra, relembrando com muita felicidade de Maninha Xukuru-Kariri”,
diz Francisco Bispo, padre e missionário do Cimi.
Na abertura do II Seminário, Seu João fez uma fala
emocionada sobre Maninha Xukuru-Kariri e dançou o Toré. Participou da
procissão e de toda a programação do dia. “Cancelamos o II Seminário,
que deveria acabar só amanhã. Estamos todos assustados e tristes. Não
sabemos quem foram os autores desse crime. Seu João não era envolvido
com nada de errado, mas alguém já antigo e respeitado pelo povo”, diz um
Xukuru-Kariri.
Angelo Bueno, também missionário do Cimi, conheceu Seu
João em 1992, durante uma reunião da Articulação dos Povos e
Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo
(Apoinme). “Sempre uma pessoa discreta e fiel guerreiro do movimento
indígena, ajudando nas ações de planejamento e avaliação da luta como
também sempre foi um animador do Ritual, do Toré”, ressalta Bueno. Seu
João gostava de uma boa prosa. Em entrevista ao Cimi, durante a
Assembleia Xukuru-Kariri de 2014, o indígena fez questão de conversar
apenas depois de fazer um café, enrolar um cigarro e acomodar a todos na
sala de sua casa, em cujo quintal foi morto. Nas paredes caiadas de
azul, Seu João mantinha os retratos pintados de seus pais, em molduras
antigas e gastas, além de instrumentos rituais do povo: cocar, maracás e
arcos e flechas.
Por Estadão Alagoas
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