Alagoas: Do caminho obscuro do ‘inferno’ ao reencontro da vida plena
Ex-traficantes contam como reconstruíram a vida longe das drogas
depois de trajetória com perda de dinheiro, o tráfico e ruína com o
vício
Emerson França, ao lado da esposa e a filhinha, dos caminhos tortuosos do vício a fundador de comunidade acolhedora; são também as histórias de superação de José Cícero, Josiel e muitos jovens que hoje têm o trabalho referência da Rede Acolhe com dependentes químicos Ascom/ Adaílson Calheiros |
As consequências do uso indevido de entorpecentes acarretam
considerável prejuízo ao usuário e à sociedade, que se vê ameaçada em
todas as classes, idades e etnias. O legado do narcotráfico contribui
para a disseminação dos mais variados tipos de drogas, impulsionando a
criminalidade em suas inúmeras vertentes. Em meio ao turbilhão
devastador das drogas, pessoas lutam diariamente para largar a
dependência, afastar-se do crime e reconstruir suas vidas.
É o caso de Emerson França. Aos 15 dias de nascido, foi abandonado
dentro de uma caixa de papelão. Aos 11 anos, experimentou bebidas
alcoólicas. Aos 13, maconha. Aos 15, entrou para o tráfico. Emerson
seguiu caminhos nebulosos na região periférica do Benedito Bentes, em
Maceió, onde tomou como exemplo a vida dos traficantes locais. Ampliou
seus 'negócios' na marginalidade ainda muito jovem.
"A interação entre os bairros aumentava meu poder de influência no
submundo do crime. Quando completei 19 anos, veio a prisão. Após a
liberdade, voltei a traficar", revelou. Emerson teve uma vida regada a
bebidas, mulheres e drogas. De traficante temido, porém, passou a
usuário de crack. Viu-se, então, obrigado a deixar a boca de fumo.
Expulso pela família, sem dinheiro e sem amigos, perambulou pelas ruas e
pediu esmolas para manter o vício.
“Um dia, meu cunhado me ofereceu ajuda e me levou a um centro de
acolhimento a dependentes químicos. Cheguei lá maltrapilho, pesando
32kg, com as sandálias remendadas com prego. Participei de uma triagem e
fui encaminhado para uma comunidade acolhedora”, contou ele.
Mesmo com a vida assolada, Emerson ignorava a terapia no início. “Aos
poucos, fui resgatando valores morais e redesenhei minha trajetória”,
emendou. Ao terminar o tratamento, ele se tornou um conselheiro da
comunidade. Tempos depois, fundou sua própria comunidade acolhedora, a
Coração Misericordioso, no município de Barra de Santo Antônio, onde
vive com sua esposa e sua filhinha de oito meses.
Este caso de reabilitação foi completamente acompanhado pela Rede
Acolhe, programa vinculado à Secretaria de Estado de Prevenção à
Violência de Alagoas (Seprev). Para o psicólogo especialista em
dependência química, Amilton Júnior Amaranto, a trajetória de Emerson
surpreende pela força encontrada em seu refazimento.
“Nem sempre é assim. Jovens que se envolvem no submundo do tráfico
morrem cedo, pois este é um universo altamente vulnerável. Passar de
traficante a usuário é igualmente arriscado. O uso prolongado do crack
causa psicose maníaco-depressiva, pânico e comportamentos antissociais. O
dependente perde o interesse pelo trabalho, pela higiene pessoal e
rapidamente desenvolve uma compulsão pelo uso da droga, levando à
degradação física e psicológica”, explica.
Preso 15 vezes, Cícero hoje resgata pessoas da criminalidade
Outra reviravolta surpreendente é a de José Cícero dos Santos. Preso
15 vezes por tráfico, roubos e furtos, ele mudou o rumo de sua vida.
Começou a usar maconha ainda na infância, sob influência de um tio que
fazia uso do entorpecente em casa. Ao ver os amigos ganhando dinheiro
com o tráfico, passou de usuário a traficante.
Aos 22 anos, tornou-se um dos maiores traficantes da Vila Brejal, na
parte baixa de Maceió. “Adquiri televisores, joias, relógios. Comprei um
barraco na favela. Eu e cinco colegas nos tornamos os bandidos mais
temidos da região. Uns pararam no presídio e outros foram assassinados”,
detalha.
No comércio ilegal, conseguiu revólveres e pistolas para cometer
assaltos e roubos. Até que certo dia, resolveu experimentar o crack.
"Fui alertado de que se eu não parasse de consumir teria que sair da
favela, pois traficante não consome crack, mas não resisti. Tudo o que
eu havia adquirido com a vida do tráfico gastei com dívidas que fiz com a
droga”, desvenda.
Arruinado, Cícero buscou ajuda com pessoas que faziam trabalho de
amparo a dependentes químicos na favela. Recebeu acolhimento, teve uma
recaída, foi acolhido novamente e hoje, oito anos depois, continua na
comunidade acolhedora Nova Jericó, onde coordena trabalhos de
recuperação. “Eu sou a prova viva da regeneração do ser humano.
Derrotado pelas drogas, paguei pelos meus erros, tive a chance de ser
resgatado e escrever uma nova história”, finalizou.
O árduo trabalho de resgatar vidas do crime e das drogas exige
dedicação e paciência. A psicóloga especialista em Saúde Mental,
Rosemary Silva, conta que a complexidade do tratamento se dá pela
necessidade de reorganização geral da vida do indivíduo junto com o
afastamento das drogas. “É preciso uma abordagem multidisciplinar para
que o tratamento seja eficaz. Psicoterapia, terapia ocupacional e
assistência social são apenas partes do tratamento”, esclarece.
Josiel Ferreira da Silva está há mais de três anos longe das drogas e do crime. Aos 30 anos, ele tem um emprego fixo e vive com a esposa e sua filha no município de São Miguel dos Campos. Quem olha para a vida dele atualmente, não imagina que já foi preso, viveu nas ruas e viu a morte de perto.
Foi no início da adolescência que Josiel entrou para o tráfico como
“aviãozinho” (jargão usado para aquele que entrega a droga e volta com o
dinheiro), mas logo passou a trabalhar para si mesmo. “O tráfico é uma
terra com leis severas. Muitos amigos foram mortos. Eu seria mais um”,
afirma.
Ele conta que começou a usar álcool aos 12 anos influenciado pelos
pais. Rapidamente, tornou-se usuário de outros entorpecentes. Atraído
pelo falso status dos traficantes, entrou para o crime e acabou na
cadeia. Com vergonha de se reaproximar da família e sem ter para onde ir
ao sair da prisão, morou três anos nas ruas, onde fez o uso mais
intenso do crack.
“Era meu refúgio para enfrentar a dor que sentia de ter perdido tudo.
Um dia, decidi pedir ajuda, procurei meus pais e me encaminharam para
uma comunidade acolhedora. Eu só tinha dois caminhos: a morte ou a
recuperação. Eu escolhi a segunda opção”, completou.
A psicóloga Samylla Gouveia, que trabalha há mais de cinco anos com
reinserção social, explica que a reintrodução social do dependente é um
passo decisivo no tratamento e está relacionada com a perspectiva de
reatar vínculos com a família e a sociedade.
“Reinserir o dependente socialmente é encarar um cenário de
discriminação e preconceito. Todavia, é uma necessidade que deve ser
impulsionada pelos profissionais, por meio de ações que permitam a este
indivíduo tornar-se mais empoderado para seguir sua vida longe das
drogas”, elucida Samylla.
O tratamento terapêutico pelo qual os personagens desta matéria
passaram pode ser oferecido de forma gratuita pela Secretaria de
Prevenção à Violência de Alagoas (Seprev), por meio da Rede Acolhe. Para
mais informações sobre o programa, basta ligar para o call center
0800-280-9390.
Por Redação Blog Adalberto Gomes Noticias com Agência Alagoas
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