Palmeira dos Índios (AL) é destaque em matéria do UOL Notícias, sobre armazenamento de água, assim provocando casos de dengue, zika e chikungunya
Em meio à seca, sertão sofre com zika e chikungunya por água mal armazenada
No sertão nordestino, a falta de água nas torneiras trouxe mais que sofrimento pela seca: a proliferação do mosquito Aedes aegypti
e das doenças por ele causadas. O problema está no armazenamento de
água, associada à falta de estrutura dessas cidades, que normalmente não
têm saneamento e contam com estruturas precárias de combate a endemias.
Em Estados como Alagoas, Bahia, Ceará e Pernambuco,
são as cidades do semiárido as mais afetadas pela tríplice virose em
2015. Isso, sem contar as centenas de casos não notificados oficialmente
pelas autoridades.
Em Pernambuco –Estado campeão em casos de
dengue no Nordeste em 2015, com 102 mil notificações--, nas últimas oito
semanas, Sanharó foi a campeã de casos: 608 em 56 dias –média de 2.477
por cada 100 mil habitantes.
Segundo a Secretaria de Saúde de
Pernambuco, 80% dos focos do mosquito no Estado são encontrados em
recipientes de água dentro das casas.
No semiárido, onde faltam
médicos, é comum ouvir histórias de quem teve diagnóstico oficioso. "Não
fui no médico, fui só ao farmacêutico e fique em casa tomando
paracetamol, muito suco e repouso", disse Yan Francisco da Silva, 23,
que teve chikungunya e se tratou em casa.
Silva mora em Palmeira
dos Índios (a 141 km de Maceió), um dos oito municípios em epidemia em
Alagoas (sete deles são do semiárido). Segundo levantamento do
Ministério da Saúde, em novembro Palmeira dos Índios estava com índice
de 4,5% de infestação predial –acima de 4% é considerado estado de
alerta.
O UOL
visitou a cidade e ouviu diversos relatos de pessoas que tiveram a
doença e não buscaram tratamento e, por tabela, não foram inclusas na
lista de casos. Nem a prefeitura, nem a Secretaria de Estado da Saúde
informaram o número total de casos do município --apenas o Estado
confirma a cidade como em "situação epidêmica."
Dos 10 moradores
ouvidos com sintomas de uma das doenças, exatamente metade relatou não
ter buscado consulta médica ou a UPA (Unidade Pronto Atendimento).
Água mal armazenada
No sítio Lagoa do Mato dos Lopes, a 10 km da zona urbana, a dona de
casa Teodora Maria Dantas, 39, foi uma das vítimas da chikungunya. Ao
contrário de outros, ela diz que procurou um médico e teve a doença
comprovada.
"A população aqui é despreparada, não sabe o perigo", disse. Ao ser
questionada sobre o que estaria sendo responsável pelo aumento de casos,
mostrou desconhecimento. "Não sei dizer o porquê, não dá para entender.
Não sei se pega no ar, se outras pessoas trouxeram de foram, se somos
nós que estamos nos descuidando", contou.
Na casa onde vive, a
família armazena água na cisterna e em um tambor que fica destampado. No
ano passado, a filha de Dantas, Keyla Beatriz, 12, também foi vítima de
dengue e chikungunya. "As duas vezes levei-a no médico também", disse.
Água parada em todo lugar
Durante o percurso até a casa da família, o UOL percebeu muitas casas com reservatórios de água destampados e possíveis larvas do mosquito.
Na casa de José Cícero Dantas Júnior, 32, a caixa d'água que fica sob o
telhado da casa é destampada. Já a cisterna tem brechas que permitem a
entrada do mosquito. "Nunca coloquei tampa na caixa d'água, não. Mas
jogo cloro de vez em quando. E na cisterna, tem peixe", afirmou.
O morador do sítio conta que, em 2015, teve sintomas de zika e
chikungunya. "Me tratei tomando remédios em casa, ia ver o que em médico
se já sei o que dizem?" questionou.
Na zona urbana, difícil encontrar alguém que não teve sintomas de
alguma das doenças. Eliete Silva, 68, diz que teve zika em outubro e
preciso ir para a UPA por dois dias. "Moro aqui desde que nasci e nunca
vi nada parecido com essa epidemia agora. Na época só da dengue aparecia
uns casos, mas feito agora, com essas doenças todas, nunca teve",
contou, citando que agentes de endemia vão "de ano em ano" em sua casa.
Já Vinicius Silva, 16, que é neto de Eliete, mora no mesmo local e
acredita que teve zika, mas fez diagnóstico "informal". "Estava cheio de
manchas, mas fiquei aqui em casa mesmo, em repouso", contou.
Aumento de casos
Segundo a professora de doenças infecciosas da UFPE (Universidade
Federal de Pernambuco), Vera Magalhães, o problema não está propriamente
na seca, mas sim, na forma de armazenamento de água e falta de
estrutura dessas cidades.
A gente sabe que o principal local do criadouro do Aedes são os reservatórios de água que estão destampados
Vera Magalhães, pesquisadora da UFPE
"Nos períodos de seca, contraditoriamente, você vai ter um grande
número de focos com os reservatórios inadequados, eles ficam abertos. Já
vi caixa d'água aberta, cisterna, baldes destampados. As pessoas de
baixa renda, principalmente, vão armazenar água onde podem e tornam a
água, mesmo escassa, um lugar de criadouro", disse.
Outro
problema é que, das 14 milhões de pessoas que moram nas áreas urbanas
dos 1.135 municípios do semiárido brasileiro, 71% não contam com coleta
de esgoto sanitário, segundo levantamento do Instituto Nacional do
Semiárido (Insa), órgão do governo federal.
Outro exemplo citado
pela professora sobre a relação seca-virose vem do Estado de São Paulo,
que registrou em 2015 o maior número de casos de dengue em sua
história: 733 mil. "São Paulo experimentou uma das maiores epidemias
justamente em um momento de crise hídrica, reforçando essa hipótese de
que a falta de água exige que a população a guarde inadequado e aumente a
infestação predial", completou.
Por Uol Notícias
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