Delmiro Gouveia, Piranhas, Pão de Açucar, Penedo e Piaçabuçu são destaques em matéria sobre o Rio São Francisco no Globo Rural da Rede Globo


Úsina de Angiquinho/ Delmiro Gouveia

O rio de todos os brasileiros tem água para todos que precisam dele? São muitos os interesses em jogo, e o clima não tem ajudado, acentuando conflitos. É o que mostra o repórter Alberto Gaspar, no encerramento da série sobre o Rio São Francisco, que chega até o mar.

Barragens e enormes estruturas de concreto fazem do Rio São Francisco o mais controlado dos grandes rios brasileiros. Domado, para produzir energia elétrica.

A cada usina a água primeiro é acumulada. Depois, desaparece em enormes tubulações, move turbinas e ressurge na quantidade que o homem determina. Repetidas vezes: Itaparica, Paulo Afonso, Xingó...

Encravada num paredão da cachoeira de Paulo Afonso, a casa de máquinas da Usina de Angiquinho nos dá a dimensão do desafio que ela representou, em 1913. Obra do empresário Delmiro Gouveia. Ele foi o primeiro a realizar o que já se imaginava há tempos.

“Desde o tempo do Império, quando Dom Pedro II contrata o engenheiro Halfeld para fazer um estudo do São Francisco do ponto de vista da irrigação, interligação com outros rios do Nordeste e também pra geração de energia elétrica”, diz Flávio Motta, gerente regional de operações Chesf.

 Um museu em Paulo Afonso guarda um exemplar original do atlas do São Francisco, de Pirapora até a foz. Trabalho técnico, mas também artístico, do engenheiro alemão Henrique Halfeld. O livro é de 1860. O imperador Dom Pedro visitou a região um ano antes.

Ele navegou pelo São Francisco a partir do mar. Desembarcou em Piranhas. Cidadezinha de encher os olhos. “Apenas os homens subiram o rio São Francisco. Cerca de cem homens vieram com o imperador. A própria imperatriz ficou em Maceió, capital alagoana”, conta Jairo Luiz Oliveira, pesquisador.

Antes de seguir viagem a cavalo, o imperador descansou algumas horas em um casarão e teve tempo de reproduzir em desenho a paisagem que viu da janela.
 Artista e protetor das artes, o imperador gostaria de saber que a casa onde ele tirou aquela sonequinha, hoje é sede do conservatório musical da cidade e da banda filarmônica de Piranhas. Bem afinado, um painel da população local. Gente de todas as idades e atividades. Os ensaios acontecem sempre nos fins de tarde. Até anoitecer.

O trecho do rio mais explorado pelo turismo tem como destaque os passeios pelo cânion de 65 quilômetros de extensão. Talhado na pedra, pela natureza, ao longo de milhões de anos e com milhões de detalhes. Aqui e ali, percebe-se a mão do homem e a devoção por São Francisco.

No caminho, os turistas se refrescam em algumas paradas e confirmamos: toda a beleza do São Francisco atrai gente de toda parte.

Os paredões de rocha, que já são impressionantes, na verdade já foram muito maiores em relação ao rio. O São Francisco subiu. Antes de ser represado novamente, a profundidade média era de 30 metros. Hoje, são 90 metros.
 Parte da história que acabou inundada foi resgatada. Mais de 20 anos depois, em um museu arqueológico, especialistas ainda separam e estudam ossos, rochas, centenas de milhares de peças, pequenos fragmentos. Sinais de ocupações humanas com até nove mil anos.

“As mais antigas eram de caçadores, coletores, as mais recentes de ceramistas. Era um povo pacífico, a gente não encontra marcas de violência. Todos vivendo em função do rio”, diz Elaine Alves de Santana, arqueóloga.

Dos ribeirinhos de hoje, entre Sergipe e Alagoas, o que se ouve é uma enxurrada de queixas, principalmente em relação às usinas hidrelétricas. Na cidade Pão de Açúcar, o ambientalista Antonio Jackson Borges Lima diz que elas reduzem a quantidade e afetam a qualidade da água no baixo São Francisco. “Ela passa por este processo de filtragem nas barragens e isso perde a qualidade do ponto de vista de produção, a água fica pobre. Para o turismo é uma maravilha, mas para produzi fica pobre. O peixe não desova porque a água tá limpa e o predador come”, declara.

Guardiãs de um ponto de bordado que só se encontra na região, o boa noite, as pescadoras da Ilha do Ferro dizem que o artesanato que era complemento de renda, está virando ganha-pão.  “O rio está morrendo e está acabando o peixe e a gente está ficando sem saída”, diz uma moradora.

“Se for para gerar energia, a gente não tem como pescar. E sem o peixe, a gente não tem como pagar a energia que vamos usar”, declara Maria da Conceição Corrente, pescadora.

A liberação de água pelas hidrelétricas, onde o mínimo estabelecido em acordos era de 1.300 metros cúbicos, ou 1.3 milhão de litros de água por segundo, caiu para 800 metros cúbicos, no fim do ano passado.

A companhia de saneamento de Sergipe diz que com o rio nesse nível, a captação de água em Propriá, já esteve ameaçada de colapso. A estação abastece um milhão de pessoas, inclusive em Aracaju.

“Nós já estamos no limite crítico da nossa operacionalidade para o abastecimento”, informa Claudio Machado Mendonça Filho, gerente de meio ambiente Deso.

Segundo a Agência Nacional de Águas, a ANA, o rio não está morrendo e tem água para atender a todos. Mas enfrenta a pior seca em vinte anos e a diminuição da vazão era inevitável.        
    
“A ideia é sempre atender a todos os usos que estão na bacia, da melhor forma possível, e fazer com que os reservatórios durem o maior tempo possível. O pior dos cenários é você esgotar o reservatório e interromper todos os usos. É isso que não se deseja, em nenhuma hipótese”, explica Patrick Thomas, superintendente adjunto de Regulação – ANA.

Em Penedo, Alagoas, o banco de areia bem no meio do rio é ponto turístico. A cidade do século 16, também atrai muita gente pela história, a arquitetura barroca das construções e das igrejas.

Do outro lado do rio, em Santana do São Francisco, a principal atração, que ocupa 70% da população, é o artesanato em argila.

Uma marca registrada, no artesanato da região é um certo detalhe em figuras humanas: o pé grande. Marca registrada, mas não muito.

Tudo começou com José Roberto Freitas, o Beto Pezão, na juventude dele. Era para equilibrar as peças, sem ter que colar uma base. Foi um sucesso. Beto se tornou um artista sofisticado, reconhecido, que viajou o mundo com seu trabalho e que não se importa nem um pouco que o povo de Santana aproveite a ideia dele.

Ele critica é a situação do rio. Diz que a própria argila piorou. Perdeu metais e ficou mais orgânica. Cria fungos. As peças em barro natural acabam manchadas. “O fungo que vem de dentro para fora mancha a peça toda. Fica muito feia a peça”, conta.

Cruzamos o São Francisco entre as duas últimas cidades, antes da foz: Brejo Grande e Piaçabuçu. Tradicional região produtora de arroz, com irrigação.

Existem áreas com alta produtividade, como a que faz parte de um perímetro irrigado de 2.500 hectares de arroz. Ao mesmo tempo, em outros pontos, a briga do São Francisco com o mar já traz problemas e mostra a desvantagem do rio.

Nas terras de um agricultor da região, o terreno chegou a ser preparado, mas Joaquim Machado Eugênio desistiu de plantar por medo da água salinizada. “O risco era de inviabilizar a atividade, matar a planta do arroz. Optamos por aguardar pelo período de chuvas”, comenta.

Ao contrário do que diz a música, hoje é o mar que está batendo no "mei" do rio. Cada vez mais, dizem as pesquisas. “A entrada dessa cunha salina, da foz até mais acima de Piaçabuçu, dá 15 quilômetros”, explica Neuma Rubia Figueiredo Santana, pesquisadora - Universidade Federal de Sergipe.

A população do assentamento de Saramém foi deslocada há 16 anos, quando o povoado do Cabeço foi engolido pelo mar. Só restou um farol fora d`água. A ironia é que agora a água salgada está chegando pela torneira. A de beber é preciso ir buscar num poço público.

A viagem do Globo Rural pelo São Francisco vai terminando onde o doce e o salgado, o azul e o verde, se encontram. O nome do barco que conduz a equipe de reportagem chama-se Vespúcio, homenagem a quem botou no mapa o rio que os índios chamavam de Opará - rio-mar na língua tupi -, o navegador Américo Vespúcio.

Vespúcio vinha mapeando a costa quando topou com o enorme rio. Consultou o calendário católico, como era costume, na época, e estava lá: dia de Sao Francisco de Assis: 4 de outubro de 1501. Um ano depois do descobrimento de Pedro Álvares Cabral, que tinha dado à nova terra o nome de Vera Cruz. É isso mesmo... Rio de tantas caras, de tanta gente, de tantas histórias, de todos os brasileiros, no final das contas, o São Francisco já era São Francisco antes do Brasil ser Brasil.

 Veja aqui a matéria em vídeo do Globo Rural

Por Blog Adalberto Gomes Notícias com Globo Rural

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