Estudo da Ufal propõe criação de espaço penal materno-infantil para Alagoas

A maternidade como forma de auxílio no processo de ressocialização. É o
que defende o estudo de Camila Costa, recém-formada no curso de
Arquitetura da Universidade Federal de Alagoas, que propõe a criação de
um espaço penal materno-infantil para o Estado. A pesquisa fala sobre as
problemáticas que envolvem o espaço penal quando se refere a
maternidade e o uso, para o local, de uma arquitetura humanizada, que
visa canalizar a necessidade humana em ambientes enriquecedores, vivos e
saudáveis.
Único espaço de detenção feminina em Alagoas, o Presídio Santa Luzia
foi tido como objeto de estudo. Nele, foram realizadas visitas para
conhecimento do objeto e, decorrente disso, um levantamento foi
elaborado para auxiliar a criação do projeto e desenvolver uma proposta
arquitetônica. “O uso da arquitetura correta pode minimizar os conflitos
encontrados entre a humanização e a segurança. A criação de um espaço
saudável e humanizador não se contrapõe aos fatores de segurança que
devem ser alcançados se considerarmos segurança como prevenção e não
contenção do indivíduo”, diz Camila Costa.
Ela nos explica, ainda, que a carência de lugar apropriado ao público
específico motivou a realização de seu Trabalho Final de Graduação (TFG). “O interesse em desenvolver o estudo foi pela falta de algum lugar voltado às mães reeducandas
e seus filhos que vêm crescendo no sistema carcerário, já que o atual
presídio feminino do Estado foi adaptado em uma antiga casa de albergado
masculina, não conseguindo atender nem ao mínimo de exigências que a
Lei de Execução Penal prevê. Porém, existe, hoje, previsão para
construção de ampliação desta unidade, que passará de 74 para 240
vagas”, complementa a pesquisadora.
Aliança entre humanização e segurança
Segundo dados da pesquisa de Camila Costa, atualmente o Presídio Santa
Luzia conta com um médico que atende na penitenciária uma vez por semana
e o acompanhamento das mães que cumprem pena é realizado até o filho
completar um ano de idade. “Porém, além das precariedades na assistência
que deve ser dada a este público em especial, os espaços também são
insuficientes para a criação de lugares apropriados para mães reeducandas e seus filhos, algo que, novamente, não atende nem ao mínimo de exigências previstas na Lei de Execução Penal”, revela.
Num modo geral, as instituições penais possuem arquitetura voltada à
resolução de aspectos de sobrevivência e segurança, ou seja,
preocupações legítimas aos presídios. Mas, existem outros valores
importantes para a humanização: a educação, o trabalho e as visitas. “A
educação é o que molda o indivíduo para respeitar as regras e viver bem
em sociedade. É necessária, já que o detento lá está porque desacatou
alguma norma social. O trabalho aprendido pode contribuir para a
obtenção de oportunidades quando liberto e as visitas representam
contato direto com a família, o lado mais afetuoso”, explica Camila
Costa.
E é com base nisso, também, que a pesquisadora decidiu elaborar o
estudo intitulado Anteprojeto de Estabelecimento Penal Materno-Infantil:
A arquitetura favorecendo a maternidade, orientado pela professora Suzann
Cordeiro. Com a pesquisa, levando em conta a complexidade do tema e das
discussões que costuma gerar, Camila revela que o trabalho surgiu por
tal relevância e, principalmente, pelo argumento de que a separação entre mãe reeducanda e filho é um dos motivos mais difíceis da superação da prisão.
“Além de levar em conta o que a Lei de Execução Penal nos pede, as
mazelas enfrentadas pela mulher no sistema carcerário acompanhada de
seus filhos e a relevância
da discussão deste tema, surgiu a proposta de elaboração do anteprojeto
de regime fechado onde a problemática se dá pelo desafio em projetar
uma arquitetura penitenciária humanizada que favoreça e garanta à
criança o direito de estar perto da mãe sem que perceba os sinais de
aprisionamento e, ao mesmo tempo, cumpra-se a punição da mãe, podendo
assim, aliar humanização com o fator segurança”, explica Camila Costa.
Proposta de local e ambiente
O projeto tem como local proposto o terreno ao lado da atual sede da Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito (SMTT), no Tabuleiro dos Martins. Com área de mais de 40.134,97m²
tem relevo pouco acidentado, suficiente para a implantação do
estabelecimento e abriga, ainda, proposta de praça para ser usufruída
pela população circunvizinha. É próximo de duas escolas municipais, de
ambulatório e clínica infantil e está a 2,5 km do Hospital Universitário
(HU), além de 11 km
do Hospital Sanatório. Tem bom alcance de linhas de ônibus, o que
facilita na mobilidade e, como se nota, está próximo do complexo atual,
ao lado do Campus A.C. Simões, visto que Camila trata a urbanidade do
entorno como outro fator humanizador.
“O critério de escolha do local teve como objetivo a assistência dos filhos das reeducandas,
possibilitando seus estudos fora do estabelecimento penal; já as
unidades do SUS próximas ao local, por sua vez, pela necessidade de
atendimento pré-natal, estabelecido pelo Código Penal como direito das
mães reeducandas
e seus recém-nascidos. Além disso, possui fácil acessibilidade aos
serviços de água e energia elétrica e relevo pouco acidentado, por
questões de custos e operacionalização interna, como circulação e
visibilidade”, complementa a pesquisadora.
Vale reforçar que o projeto enfatiza a relação entre a penitenciária e
os espaços públicos com a criação de uma praça, prezando pelo verde e
por caminhos variados na entrada do edifício. “Isso já diminui o impacto
causado pelos muros uma vez que proporciona possibilidade de acomodação
e apropriação da população do entorno. Além disso, as torres de
controle foram substituídas por câmeras de vigilância. Tudo com o objetivo de diminuir o caráter opressor do edifício”, revela Camila.
Segundo ela, também há espaço para a criação de uma creche, já sugerida
pelas Diretrizes Básicas para Arquitetura Penal. “O documento do ano de
2011 já indica que a Creche deverá estar no setor externo, mesmo que
possuindo ligação com o Módulo Materno-Infantil, o que caracteriza uma
rotina de entrada e saída da criança no edifício, que passará a maior
parte do dia na creche, retornando para suas acomodações no final da
tarde para dormir com suas mães”, explica Camila Costa.
Normalização do espaço prisional
A pesquisa também leva em conta que, com a criação deste
estabelecimento penal materno-infantil, aconteça uma normalização do
espaço prisional por conta do desenvolvimento das crianças acompanhadas
de suas mães. Além disso, a pesquisadora revela que o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) garante vida normal e suporte familiar às
crianças, ou seja, se a mãe está dentro do sistema prisional, a criança
tem o direito de conviver com a figura materna.
“Porém, do ponto de vista do direito da criança de conviver com a mãe é
importante frisar o surgimento desse convívio sem o comprometimento do
desenvolvimento cognitivo e social dela, pelo fato de viver em condições
de cárcere. Foi também considerado o fato de que a criança continue
tendo essa relação com o lado de fora, por meio da creche, da escola e
do médico, não perdendo o foco no direito da criança de ter o
acompanhamento da sua mãe, o que também é importante para seu
desenvolvimento cognitivo”, ressalta.
Camila ainda nos deixa uma importante consideração. Para ela, as
penitenciárias precisam pensar numa relação maior de integração com a
comunidade, pois enquanto houver o foco no total isolamento das pessoas,
o sistema penitenciário não vai funcionar.
“Não é só o preso que fica isolado, mas sua família e, principalmente,
seus filhos que ficam, de certa forma, isolados ao terem que se deslocar
para áreas de difícil acesso e pouca infraestrutura. Estas pessoas não
precisam pagar pelo erro dos seus parentes. Neste sentido, a discussão
da humanização passa pelo fato de que todas as pessoas são humanas e de
que, como são humanas, elas possuem necessidades humanas e direitos
humanos que precisam ser preservados”, conclui a pesquisadora.
Sobre o grupo de pesquisa
O Trabalho Final de Graduação de Camila Costa teve início a partir da
sua participação no Núcleo de Estudos e Projetos Especiais (Nupes), coordenado pela professora e orientadora Suzann
Cordeiro. O Núcleo realiza pesquisas sobre as diversas interfaces
relacionados com planejamento, gestão e conservação do espaço
arquitetônico, paisagístico e urbano com características especiais.
Com isso, o Nupes
busca compreensão dos métodos de interação entre a concepção e seus
aspectos construtivos, processos e sistemas de planejamento e gestão
urbano-ambiental e análise do espaço edificado, seguindo três linhas de
pesquisa: Edificações e ambiência de espaços de segurança e de saúde;
Planejamento, gestão e conservação de edificações e espaços especiais e,
ainda, Linguagem, representação e tecnologia em arquitetura e design.
Veja outras informações sobre o grupo de estudos acessando o site.
Por Ascom Ufal
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