Quadrilhas: patrimônio clama por apoio governamental; tradição continua viva


Imagem     Anne Caroline Bomfim

A quadrilha junina é originária de danças populares da França e foi introduzida no Brasil em meados de 1820. Na região Nordeste, ela se popularizou e se tornou patrimônio cultural e vivo. Mais que isso: agregou costumes e maneirismos. Todos os anos, milhares de pessoas saem das casas para prestigiar o brilhantismo dos quadrilheiros. Olhares atentos, sorrisos largos, coração pulsante.

Em Alagoas, a tradição é vista com muito profissionalismo e dedicação, assim como em outras cidades. A falta de suporte financeiro por parte dos órgãos governamentais dá lugar ao esforço e certeza afirmativa da importância da cultura popular e dançante no estado. Em 2016, o concurso de quadrilhas “Forró e Folia” deve acontecer no período de 11 a 29 de junho, no Ginásio do Sesi, situado no bairro do Trapiche da Barra. A entrada é franca. O evento é uma parceria da Prefeitura de Maceió e iniciativa privada

 Assim como nos anos anteriores, o concurso vai eleger a melhor e mais bem produzida quadrilha de Alagoas, que representará o estado no concurso regional Nordeste e, por fim, no nacional, promovido pela Rede Globo. O portal 7 Segundos entrevistou David Torres Perdigão, 30. Um Educador Físico apaixonado pelo São João. Neste ano, ele está à frente da “Santa Fé de Alagoas”, uma quadrilha junina de segunda divisão que se apresentará pela primeira vez. O frio na barriga dá lugar à emoção e responsabilidade.
 
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“A gente faz milagre para se manter”
 
Quem prestigia as apresentações e percebe o amor e dedicação dos quadrilheiros, não imagina as dificuldades diárias que eles precisam enfrentar. E são muitas: desde a falta de transporte para viajar, até atrasos na entrega das fantasias e imprevistos com o grupo. “A gente faz milagre para se manter. Cada componente se banca. Cada um banca o seu figurino, seu arranjo, seu lanche, seu transporte. Ajuda de Prefeitura é uma migalha. Um mísero mil reais que não paga nada na verdade”, reclamou. 

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A Prefeitura de Maceió afirmou que, em decorrência da atual crise econômica, precisou reduzir repasses através do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e que, atualmente, a prioridade do prefeito Rui Palmeira é manter a folha de pagamento de servidores em dia e seguir com obras de infraestrutura pela cidade, que incluem a construção de creches, reforma de escolas, postos de saúde, pavimentação, entre outras ações. 

“A decisão da prefeitura segue também recomendação do Tribunal de Contas da União e do Estado, para que os municípios evitem gastos com eventos este ano”, seguiu a nota da assessoria de comunicação da Fundação Municipal de Ação Cultural (FMAC). 

Além da falta de verba, ainda existe outro agravante: a estrutura para receber os visitantes para as apresentações é “de péssima qualidade”: “não comporta o público que vai assistir. Não comporta, também, a estrutura das quadrilhas e nem a quantidade de componentes. Alagoas enfrenta um retrocesso cultural. Estamos muito aquém das estruturas encontradas em outros lugares como Ceará, Pernambuco e Campina Grande”.


Imagem     Anne Caroline Bomfim

“Nordeste respira forró”

As quadrilhas estão enraizadas na cultura nordestina. David acredita, no entanto, que a dança deve ser mais valoriza pelos governantes, mas que o povo já demonstrou que é verdadeiramente apaixonado pelo São João. “O Nordeste respira forró. A quadrilha faz parte da cultura de todos nós, é um grande movimento que gera emprego e renda para o município e para o estado. Milhares de jovens que poderiam estar em outro caminho estão lá, se esforçando e trabalhando”, ressaltou. 

Além de mobilizar a economia e as compras no comércio, por meio da aquisição de tecidos e aviamentos, essa época do ano é aguardada pelos pequenos, nas danças escolares, e também por pessoas mais velhas. “A população ama ver quadrilha. Ela espera o São João para poder ir para rua assistir. Os arraias ficam completamente lotados. O povo chega cedo. A população valoriza isso”. 

“Percebo a falta de interesse por parte das instituições governamentais. Uma escola de samba em Alagoas recebe vinte, quarenta mil em um estado que não tem cultura e estrutura para as pessoas assistirem. Nada contra. Mas as quadrilhas fariam um espetáculo grandioso com esse valor”, destacou. 

Imagem     Anne Caroline Bomfim

“Deus me colocou nesse mundo para fazer São João”
 
David soube, desde a infância, que havia nascido para a festa. “Deus me colocou nesse mundo para fazer São João. Eu sempre fui apaixonado, desde criança. As pessoas me diziam que ia ter São João na rua. Aí eu sempre era o líder, a pessoa que acordava cedo para fazer as bandeirinhas e que fazia a cola branca de maisena”, lembra. Perdigão, no entanto, começou a dançar profissionalmente em 2002. Para ele, os passos não são apenas partes da coreografia, mas também envolve sentimento e emoção. 

“Até hoje eu choro assistindo quadrilha. Me arrepio só de ver as propagandas na TV. Se eu pudesse, viveria só disso. Hoje em dia, eu já recebo por isso, mas ainda não consigo viver apenas de São João. Os nervos ficam à flor da pele o ano inteiro. Não é só no mês de junho não (risos). É nos ensaios que eu mais me emociono. É um misto de emoções. O meu sangue, na verdade, é vermelho, mas também corre um sangue quadrilheiro. É inexplicável esse amor”, falou. 

Ele desenvolveu trabalhos na “Luar do Sertão”, quadrilha junina do Prado que começou a disputar campeonatos no ano de 1987, por doze anos e teve a oportunidade de dançar, coreografar e ser, como ele próprio diz, “o cabeça pensante” do movimento. O quadrilheiro anunciou a sua saída da agremiação em 2015. Durante esse período, foram muitas as oportunidades de crescimento, prêmios e viagens.

Segundo ele, o término da parceria se deu de forma natural, sem brigas e com entendimento e amizade. “Foram ‘n’ fatores que levaram ao final desse casamento. Mas eu acho que toda história de amor tem um final. E assim foi a minha. Lá na Luar, eu vivi os melhores, piores e mais intensos momentos da minha vida. Todos os prêmios que eu poderia ganhar, seja individualmente como dançarino, e também como projetista, eu ganhei. Isso foi graças a oportunidade que eles me deram. A relação já estava um pouco desgastada. A separação foi muito boa para os dois lados”, comentou. 

“Na tradição me criei, quadrilha sou eu e sempre serei”
 
O intertítulo pode até parecer a afirmação do amor do coreógrafo pelo São João, mas é, na verdade, o tema da apresentação deste ano da quadrilha “Santa Fé de Alagoas”, comandada pelo David. Para ele, é na escola que todo quadrilheiro começa. “A paixão começa dentro de lá e a gente quer mostrar isso. Ao longo da fase escolar, a gente se cria dentro dessa tradição. Vai ser uma linda viagem no tempo”, garantiu. 

Recém-inaugurada, o grupo está disposto a conquistar uma legião de fãs durante e após a performance. O quadrilheiro afirma que não tinha a intenção de fundá-la, mas que fazer São João está no sangue. É viciante. “Quando anunciei a minha saída da Luar do Sertão, várias pessoas que já me seguem me pediram para que eu não abandonasse o São João de Alagoas, já que eu trouxe algumas inovações e queriam que eu continuasse com o trabalho”, lembrou. 

“Um amigo meu, no entanto, me fez essa proposta e eu aceitei. É o nosso primeiro ano. É uma quadrilha que já começa grande. Já temos banda e um mega elenco de teatro. Estou muito feliz com esse novo projeto. O novo sonho tem dado certo”, disse, confiante. 

Reconhecido pela excelência nos palcos, David conta que as pessoas já colocam expectativas nesta primeira apresentação devido à qualidade dos trabalhos desenvolvidos por ele nos outros anos e que sente medo de não ter que superar as expectativas do público de um ano para o outro. “Mas isso é bom, é energizante. Eu me sinto inquieto. Quero sempre criar e buscar coisas novas. O comodismo deixa a pessoa preguiçosa”, refletiu. 

“As pessoas podem esperar um lindo espetáculo. Um São João lindo. Uma nova quadrilha surgindo com força, com garra. Queremos tentar conquistar uma plateia e uma torcida que, até então, não temos”, emendou. 
Ensaiando em busca da perfeição

Quem pensa que vida de dançarino é fácil, está enganado. Para ser um quadrilheiro, é preciso ter, além de certa afinidade com a dança e a comunidade, muita determinação. Para buscar a perfeição, os ensaios são realizados todos os domingos, das 15h às 21h. O “tira-dúvidas” acontece toda quinta-feira. 

À medida que os dias se aproximam para a realização do grande evento, os encontros são intensificados e passam a ser realizados duas vezes na semana e, em eventualidades, nos dias da semana e feriados. No total, 74 dançarinos, 9 músicos, um marcador e 25 pessoas de apoio compõem a quadrilha. O espaço para ensaios está localizado no Trapiche da Barra, mas o grupo é composto por pessoas de todos os locais do estado, como Porto Calvo, Fernão Velho, Marechal Deodoro, Barra de Santo Antônio e Rio Largo. 

As expectativas para a noite final são as melhores possíveis. “Todas as quadrilhas ralam muito. É uma dificuldade muito grande. Todos somos vitoriosos. A minha expectativa é que o nosso sonho se realize, que consigamos subir para a primeira divisão”, vislumbrou. 

Crise econômica suspende shows em Maceió
 
A atual crise econômica fez a Prefeitura de Maceió suspender shows na capital. A programação de São João deste ano ficou reduzida apenas às quadrilhas juninas. Membros da Associação Alagoana dos Forrozeiros chegaram a realizar um ato à porta da sede da prefeitura cobrando mais apoio e valorização da categoria e a realização dos concertos. 

O presidente da Fundação Municipal de Ação Cultural (FMAC), Vinícius Palmeira, chegou a se reunir com os forrozeiros e esclareceu a situação de arroxo vivenciada pelo município. A pasta chegou a elaborar um projeto inicial sob o tema “No São João de Maceió, o santo de casa faz forró”, mas o evento precisou ser cancelado. 

“A prefeitura foi irredutível. Precisamos valorizar o autêntico forró pé-de-serra”, resumiu Debeto Alves, membro da Associação dos Forrozeiros. Segundo ele, por causa da crise, os músicos do estado viram seus cachês diminuírem à metade. “Diminuiu muito. Hoje em dia, não podemos cobrar um cachê que seria digno do nosso trabalho. As festas também não estão contratando mais. Isso quando tem festa”, falou frustrado. 
“Eu entendo que o sol nasce para todos. Acredito que cantores e bandas de outros estilos musicais estão sofrendo com a crise também”, finalizou. 

Por Sete Segundos


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