Cortadora de cana de açúcar torna - se Juíza
Conheça a incrível história da mineira Antonia Marina Faleiros. Que
passou num concurso após recolher folhas descartadas de um cursinho e
hoje tenta mudar a perspectiva de vida de crianças carentes no interior
da Bahia
Aos 12 anos, a menina Antônia Marina Faleiros, trabalhava em um canavial no interior de Minas Gerais e o seu sonho era ser vendedora em uma loja de departamentos. Hoje, a juíza Antônia Marina Faleiros toca alguns projetos sociais no interior da Bahia e tem orgulho de contar a sua história:
"Nasci no Vale do Jequitinhonha, região bastante
pobre de Minas Gerais há 52 anos. Naquela época, já era uma área de
muita carência, exportadora de mão-de-obra para trabalhos braçais nas
lavouras e, há quarenta anos, eu estava entre essas pessoas.
O
que eu me lembro e gosto de repetir é que olhando os fatos para trás, no
filtro do passado e da saudade, a história parece até bem bonita, mas
na época, para ser sincera, não tinha graça nenhuma. Tivemos todos que
trabalhar cedo, como uma imposição da necessidade, não por exploração
dos pais. Eles não tinham como proporcionar boas condições e tínhamos
que trabalhar, era uma realidade dos jovens da roça. Mesmo criança, eu
tinha noção das dificuldades pelas quais minha família passava e tentava
contribuir com o que aparecesse.
Com 12 anos, recebi um convite
para trabalhar no canavial, através de “gatos”, que são recrutadores de
mão de obra para fazer esse trabalho na divisa entre Minas e São Paulo.
Em
1976, consegui concluir o primeiro grau e me mudei para uma cidade
vizinha chamada Serro para fazer o segundo. Só havia essa possibilidade
num colégio particular e a mensalidade era duas ou três vezes o salário
todo da minha família. Dei aulas de reforço, trabalhei como empregada
doméstica e em serviços gerais no próprio colégio, um internato, em
troca de cama e comida. Com isso, consegui pagar a mensalidade e ainda
mandava um dinheirinho para meus pais e irmãos.
Terminado o
ensino médio, tentei um emprego numa agência bancária na minha cidade,
mas não consegui. Naquela época as pessoas não eram nada sutis: não
consegui a vaga por causa da minha aparência. Era feia, tinha dentes
estragados. Houve até um projeto na Escola que sugeriu que eu arrancasse
os dentes podres. Eu me recusava a extrair porque acreditava que um dia
eu conseguiria tratar os dentes. Foram até conversar com os meus pais
para me obrigar a tirá-los. Eles diziam que era uma ilusão da minha
parte sonhar em tratar os dentes. Meu pai olhou para mim, me perguntou
se eu queria arrancar e eu respondi: um dia vou tratar os meus dentes.
Foi ali que me deixaram da forma que eu estava porque meu pai acreditou
em mim.
Concluí que eu precisava tentar a sorte fora, pois
estávamos cada vez mais excluídos. Cada irmão tomou um rumo. Eu peguei
uma carona com um tio e parei em Belo Horizonte, onde consegui nos
primeiros dias ficar na casa de parentes dizendo que estava a passeio,
mas a situação ficou insustentável, pois não dava para fica morando de
favor. Arrumei um emprego como doméstica. Mas a patroa não gostava que
dormisse na casa dela, porque ela achava que tirava a liberdade dos
donos da casa.
Para
não ser obrigada a voltar para o interior, e ter que abrir mão do meu
sonho de fazer um curso superior e trilhar um caminho diferente daqueles
que moravam na minha terra, eu mentia para minha mãe que dormia na casa
da patroa e fingia para a patroa que dormia na casa de parentes. Mas na
verdade eu não dormia na casa de ninguém porque eu não tinha onde
morar. Eu passava a noite sentada num ponto de ônibus movimentado entre a
ruas Tamoios e Rio de Janeiro, em frente à agência da antiga Telemig,
fingindo que estava esperando ônibus. Como era um ponto muito
movimentado, dava para enganar. Quando amanhecia, ia caminhando para a
casa da patroa, cerca de quatro quilômetros dali. Minha mãe morreu sem
saber que vivi na rua.
Nos finais de semana, eu ia visitar
parentes que moravam mais distante. Continuava procurando emprego nos
jornais, e um dia, vi o anúncio de um cursinho preparatório para
concursos chamado Vila Rica. Fui lá para tentar me matricular e vi que
não tinha dinheiro nem para o curso nem para comprar as apostilas.
Comecei então a recolher as folhas borradas que uma secretária do
cursinho descartava do mimeógrafo que imprimia as novas apostilas. Com
essas folhas, estudei para o meu primeiro concurso e fui aprovada em 3º lugar para o cargo de oficial de justiça do Tribunal de Justiça de Minas,
logo que atingi a maioridade, naquela época, os 21 anos. No tribunal,
acabei fazendo contato com pessoas da área de direito e aquilo acabou me
despertando para a área jurídica. Um colega do tribunal que estava
iniciando um cursinho me chamou para dar aulas de língua portuguesa,
mesmo sem ter graduação. Para justificar minha presença ali, passei a
fazer um concurso por ano para gabaritar a prova de português e usar
isso como referência.
No final de 1986, fiz vestibular e fui
aprovada na UFMG, minha única alternativa, já que a outra única
faculdade de direito era particular. Minha festa de formatura foi em
fevereiro de 1992 e minha mãe morreu em abril, com a idade que tenho
hoje, após sofrer um acidente vascular cerebral. Entrei em depressão,
fiquei muito revoltada. Tinha muita vontade de dar a ela tudo o que ela
desejava, coisas simples como conhecer Aparecida do Norte ou ter uma
máquina de costura. Meu pai morreu cinco anos depois, de câncer de
pulmão. A ele, já pude pelo menos dar um acompanhamento médico melhor,
levar para minha casa.
Formada,
montei um escritório de advocacia em BH, fui procuradora do município,
assessora jurídica da Secretaria de Planejamento e de um sindicato e
ainda continuava dando aulas no cursinho. Agarrava todas as
oportunidades que surgiam com toda força. O primeiro concurso que fiz
para o cargo de juíz, no entanto, preferi não assumir. Era para uma vaga
de juíza federal da Primeira Região e fui nomeada no Acre. Como minha
irmã mais nova, nascida em 1979, ainda morava comigo, temi que isso
puder atrapalhar os estudos dela, e acabei desistindo. Hoje, é a única
dos meus irmãos que também concluiu a faculdade, de farmácia.
Depois
disso fui delegada, procuradora do Banco Central, procuradora da
Fazenda de Minas e fui transferida para Uberlândia. Lá, conheci o
advogado com quem estou casada há 20 anos. Ele trabalhava na área de
fiscalização da procuradoria da Fazenda e foi amor à primeira vista. Os
filhos do casamento anterior dele são meus filhos e a ex, uma grande
amiga. Gosto de brincar quando apresento ela a alguém: ‘Essa é a mãe dos
meus filhos’ e rio muito vendo a reação das pessoa achando que é uma
relação homoafetiva.
Há doze anos, fiz o concurso de juíza para o
Tribunal de Justiça da Bahia, onde vivemos desde 2003. Meu marido e
meus filhos acabaram vindo morar aqui também. Ele mantém escritórios em
Lauro de Freitas (BA), Uberlândia e BH. Meus filhos se formaram e uma
vive ainda comigo e outro se casou e se mudou para BH. Temos uma amor
autêntico, verdadeiro, cuidamos muito um com o outro".
Antônia
gosta de falar da sua história, mas prefere destacar os trabalhos que
faz fora do tribunal, alguns dos quais foram premiados pelo CNJ.
"Tenho
um projeto com filhos de carvoeiros em Mucuri, a primeira comarca que
assumi na Bahia, e projetos com crianças nos lixões de Itabuna e Lauro
de Freitas. Gosto de estimular esses meninos a verem a vida além do
tráfico e da violência. Quero que outras pessoa também conheçam e
ajudem".
"À medida que você vai descobrindo o mundo, vai sonhando
com mais. Quando eu passava por todas aquelas dificuldades de trabalho
braçal, meu maior desejo era ser vendedora em uma loja de departamentos,
porque trabalhava na sombra e com uma roupa limpa. Nunca desisti de ir
adiante mas, objetivamente, achava que isso já seria uma vitória
enorme.”
Mensagem para aqueles que passam por dificuldades
"Quando
contei para minha mãe ela que tinha passado em terceiro lugar no
concurso de oficial de justiça. Ela me perguntou: ‘a prova estava tão
difícil assim?'. Ainda rebati e disse: ‘Mãe, pense bem, quantas pessoas
ficaram para trás?’. E ela me disse assim: ‘você já viu corredor olhar
para trás? Corredor olha para frente’. Então eu digo sempre isso: temos
que olhar para frente e não para as dificuldades que passamos. É pensar
no quem tem que ser alcançado, é ter disciplina e meta".
Por Gazeta Online e Revista Marie Claire
Parabens Drª Antônia Marina Faleiro! por essa história de vida, que Deus te proteja e sua família.
ResponderExcluirParabens Drª Antônia Marina Faleiro! por essa história de vida, que Deus te proteja e sua família.
ResponderExcluir