Ribeirinhos de Alagoas navegam até seis horas em busca de água potável
Imagem Gazeta de Alagoas |
Morar à beira do Rio São Francisco poderia ser considerado um
privilégio por pescadores, mas a estiagem prolongada tem provocado uma
mudança na rotina de ribeirinhos do município de Piaçabuçu, a 141 quilômetros da capital, Maceió. Eles navegam até seis horas para levar água potável para casa.
O G1
mostra, em uma série de reportagens, uma pequena amostra da realidade
vivida na região - e as muitas saídas que encontra para conseguir
sobreviver. Confira aqui as histórias, contadas em cada um dos nove estados do Nordeste brasileiro.
O problema acontece por causa de um fenômeno conhecido como salinização.
A seca fez a hidrelétrica de Sobradinho, na Bahia, reduzir a vazão ao
menor nível da história, 700 m³/s. Com menos água no leito do rio, o
reflexo é sentido na foz do São Francisco, na divisa de Alagoas e
Sergipe, onde o mar avança cada vez mais, tornando salgada a água doce.
O pescador Jorge Souza conta que navega para pontos distantes da foz
duas vezes por semana para conseguir água boa para consumo. “A gente
acorda aqui 4 horas da manhã para arrumar os vasilhames, são pelo menos
três horas para ir e três horas para vir".
O pescador Jorge Souza mostra garrafas de água doce que armazena para o consumo da família (Foto: Waldson Costa/G1)
O drama dos ribeirinhos é maior porque a Companhia de Saneamento de Alagoas
(Casal) capta água do rio para abastecer o município. Mas ela garante
que a água é tratada e analisada antes de seguir para o consumidor com
os padrões exigidos pelo Ministério da Saúde.
Para isso, técnicos da Casal captam água apenas na maré baixa e em
determinados horários onde a concentração de sal é menor. Contudo, os
ribeirinhos ainda se queixam da qualidade.
“A água que temos nas torneiras é tão salgada que não serve nem mesmo
para cozinhar ou lavar roupa. Quando precisamos lavar roupa, vamos até
alguns canais que estão do outro lado, onde a água é melhor. A água
daqui só serve mesmo para limpeza da casa”, diz a dona de casa Maria
Eunice.
O problema é grave e virou tema de pesquisa na Universidade Federal de
Alagoas (Ufal). O oceanógrafo Paulo Peter analisa os impactos ambientais
e sociais da salinização do rio. Ele afirma que já é possível notar no
estuário a morte da vegetação típica de água doce, substituição dos
peixes de água doce pelos de água salgada e inviabilização da água para o
consumo humano.
"Para os padrões técnicos, a água doce pode ter até 1/2 grama de sal
por litro. Nas coletas que fizemos próximo ao povoado Potengy,
encontramos variações de 6 a 7 gramas de sal por litro, salinidade que
deixa o líquido impróprio para o consumo humano", alerta Peter.
Por
causa do alto índice de sal na água, ribeirinhos navegam rio acima para
conseguir estocar água em garrafões (Foto: Jonathan Lins/G1)
Com tanto sal na água, os problemas de saúde vêm aumentando na região.
“Minha esposa, meu sogro e minha sogra estão com problemas de pressão
alta. Dizem que é por conta deste sal na água do rio e da água que
bebíamos. Até minha filha, que é criança, adoece quando bebe”, lamenta o
pescador Souza.
A agente de saúde Suely Santos, que trabalha há 17 anos na região,
disse que o número de casos de hipertensão aumentou na comunidade
ribeirinha. Para ela, isso acontece porque as pessoas que não tem
condições de comprar água potável consomem a água que sai das torneiras.
“O aumento da hipertensão é pela água salgada. No momento que a gente
teve um número imenso de seis meses pra cá, foi um número alarmante, que
continua crescendo. Inclusive não só idosos, como a gente já está
acostumado, mas está atingindo os jovens também”, falou.
Outro pescador do povoado, conhecido como José Anjo, diz que até as
plantações morreram. "Muita gente vivia de plantar arroz. Por causa da
água salgada, se plantar, não nasce, nem a pulso. Água salgada não dá
futuro, não".
Anjo conta que também passou a viajar horas para conseguir pescar. "Só
tem peixe de água doce lá para cima, aqui não tem, só tem bagre. Eu
vinha comprar camarão, a gente levava 20, 30 sacos de camarão, desses
camarões de água doce. Hoje não tem um, acabou".
José 'Anjo' conta que o tipo de peixe que se pesca no rio mudou, agora é peixe de água salgada (Foto: Jonathan Lins/G1)
O volume de água liberado pela usina hidrelétrica de Sobradinho já
superou 2.900 m³/s. Mas com a redução gradativa, os problemas surgiram e
ficaram mais graves quando chegou a 700m³/s.
E a situação ainda pode piorar. No dia 22 de março, a Agência Nacional
de Águas (ANA) autorizou que a Companhia Hidroelétrica do São Francisco
(Chesf) realize testes de redução da vazão do São Francisco. Serão duas etapas, a primeira para 650 m³/s e a segunda, 600 m³/s.
Em entrevista ao G1, o superintendente adjunto de
Regulação da ANA, Patrick Thomas, afirmou que a redução é necessária
para que o reservatório não esvazie. "Se isso acontecesse, poderia
prejudicar totalmente o abastecimento não só em Piaçabuçu, mas em todas
as cidades que dependem do reservatório de Sobradinho”.
Ainda segundo a ANA, a situação só deve melhorar quando houver chuvas
com mais intensidade e por um longo período na região dos reservatórios.
Com a baixa vazão, é possível fazer travessia em alguns trechos do rio a cavalo (Foto: Jonathan Lins/G1)
Com menos água no leito, rio perde força e acaba sendo empurrado pelo mar (Foto: Jonathan Lins/G1)
Por G1/AL
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