Docência por missão de vida: conheça a história da professora Maria Guerra
A reitora Valéria Correia deu a posse à professora da Ufal, Maria Guerra |
Na semana em que se comemora o Dia do Professor, a Ufal vai mostrar
uma história de superação e persistência de uma mulher que enxergou na
carreira docente uma missão. Numa época em que o papel do profissional é
questionado e, muitas vezes, desvalorizado, Maria Guerra representa a
parte mais nobre: a de professores que amam o que fazem, que seguem na
docência por motivações diversas, porque cada um tem uma história de
vida diferente até chegar à sala de aula, mas a dedicação ao ensino é
por acreditar na educação como transformadora.
A história de Maria José Guerra, professora do Núcleo de
Desenvolvimento Infantil (NDI) da Ufal, assemelha-se a trajetórias de
tantos brasileiros que, numa luta diária persistente, não se conformam
com as condições de vida do meio social no qual nasceram. Meio esse,
muitas vezes, marcado pelas dificuldades e pela falta de oportunidade.
Natural de Inhapi, cidade do Alto Sertão de Alagoas, Maria Guerra é
filha de agricultores, tem sete irmãos, sendo cinco homens e duas
mulheres, e é a única com formação superior. Estudar para ela sempre foi
um desafio, pois desde cedo precisou trabalhar para ajudar na
subsistência da família.
Ela não esmoreceu diante das adversidades e hoje está onde sonhou: no cargo de docente de uma instituição federal de ensino. “Quando criança, fazia bonecos com os pedaços de madeira que estavam soltando da mesa do santo. Cada dia puxava um pedacinho até que formava várias bonecas e brincava de ser professora numa casinha construída com as cascas do feijão batido”, recorda, com orgulho, diante do que conquistou.
Ela não esmoreceu diante das adversidades e hoje está onde sonhou: no cargo de docente de uma instituição federal de ensino. “Quando criança, fazia bonecos com os pedaços de madeira que estavam soltando da mesa do santo. Cada dia puxava um pedacinho até que formava várias bonecas e brincava de ser professora numa casinha construída com as cascas do feijão batido”, recorda, com orgulho, diante do que conquistou.
O trabalho na infância
Aos oito anos de idade, conta a servidora da Ufal, a família se mudou
para Delmiro Gouveia, também situada no Sertão de Alagoas. Lá, ela
começou a trabalhar com a venda de picolé para ajudar nas despesas.
“Vendia numa caixinha de isopor, logo fiquei conhecida por galeguinha do
picolé. Com o passar dos meses, a caixinha ficou pequena para a
clientela que tinha conquistado, consequentemente, foi trocada por outra
maior e, depois, por um carrinho”, lembra.
Foram mais de seis anos nessa atividade, quando a ocupação foi
trocada pela venda do leite de porta em porta. “Esse trabalho realizei
por um ano e nove meses e só parei por conta do fiado. Tive que
trabalhar como ‘secretária do lar’ para terminar de pagar o leite que
pegava para revender”, recorda, ao acrescentar que também trabalhou como
garçonete.
O acesso à educação veio muito depois de conhecer o compromisso com o
trabalho remunerado. “Antes de começar a estudar, já sabia passar troco
e todos os procedimentos da venda”, conta. Mas a servidora da Ufal
relata que o fascínio pelo conhecimento sempre a acompanhou. “Lembro que
entre os 4 e 5 anos, morando em Inhapi, já gostava muito de estudar.
Pegava jornal de embrulho que vinha nas compras e uma ponta de caneta
velha, encontrada por trás do vaso de feijão. Colocava um palito de
fósforo e começava a desenvolver os primeiros passos da coordenação
motora, sem saber o que significava. Subia no pé de umbuzeiro e viajava
pelo infinito da imaginação. O tempo passou e esta recordação ficou
registrada no inconsciente da minha memória, a qual tem um poder muito
forte de inspiração relacionado aos estudos”, relembra.
Quando finalmente conseguiu frequentar uma sala de aula, Maria teve
que conciliar a rotina de estudos com o trabalho, além de lidar com o
“entendimento” dos pais. “Quando comecei a estudar na escola senti
muitas dificuldades, por causa dos meus pais que pensavam que estudar
era somente no colégio. Por esse motivo, sofri muito e cheguei a repetir
o ano escolar. Tinha um sentimento de inferioridade, pois minhas
colegas de classe, no período de provas, estudavam muito e eu não tinha
tempo para estudar, pois tinha que trabalhar, cuidar dos meus irmãos e
da casa”, relata. “Sentia-me inferior também porque era estrábica e por
muitas vezes fui chamada de olho trocado”, conta.
Ela afirma que passou por muitas situações constrangedoras por causa da deficiência, mas não desanimou. Em 2005, conseguiu fazer uma cirurgia corretiva no olho esquerdo. “Tenho minhas limitações, mas sigo realizando minhas atividades alegre e feliz. Faço teatro, arte circense e ando até de perna de pau”, conta entusiasmada.
Ela afirma que passou por muitas situações constrangedoras por causa da deficiência, mas não desanimou. Em 2005, conseguiu fazer uma cirurgia corretiva no olho esquerdo. “Tenho minhas limitações, mas sigo realizando minhas atividades alegre e feliz. Faço teatro, arte circense e ando até de perna de pau”, conta entusiasmada.
Acolhimento, estudo e aprovação em concursos públicos
A professora da Ufal conta que o sentimento de inferioridade foi
diminuindo e dando espaço ao fortalecimento dos próprios sonhos quando
foi convidada a participar do grupo infanto-juvenil da Pastoral da
Juventude do Meio Popular (PJMP), iniciativa ligada à Igreja Católica.
“O grupo fortaleceu meus sonhos. Mostrou-me a enfrentar com muita fé e
garra para mudar esses paradigmas que corroem a dignidade humana. Esse
movimento educativo freiriano [do educador brasileiro Paulo Freire],
apresentou-me, ao mesmo tempo, uma aprendizagem pedagógica e
transformadora, fruto da PJMP, que promoveu educação na fé e educação
popular como instrumento de transformação nos grupos de bases”, destaca.
“Enfocava em atividades que compunham o processo de formação na ação,
com intenção política, visando à formação infanto-juvenil, como meio de
ascensão sociocultural entrelaçada à transformação do cenário
existente”, esclarece.
Durante esse período, ela concluiu o ensino médio e a graduação em
Pedagogia. Coordenou a Pastoral da Juventude, na Paróquia de Delmiro
Gouveia, e também na Diocese de Palmeira dos Índios, atuando como
facilitadora, educadora popular e participando de encontros nacionais.
Em 2010, candidatou-se ao cargo de conselheira tutelar de Delmiro
Gouveia e ficou na suplência. Conseguiu assumir no ano seguinte, mas
acabou renunciando, em 2013, para tomar posse no cargo de professora do
ensino fundamental do município de Água Branca, vaga conquistada por
meio de concurso público.
Maria prosseguiu sua trajetória em busca de realizar seus objetivos
por meio do estudo. “Meu grande sonho era ser servidora pública
federal”, afirma. Em março de 2015, conta, pediu exoneração do cargo de
professora em Água Branca para tomar posse no cargo de Assistente de
Alunos do Instituto Federal da Bahia (IFBA). “Passei no certame na vaga
de pessoas com deficiência, com garantia de direito pela súmula 377 do
STJ [Supremo Tribunal de Justiça], uma vez que tenho visão monocular”,
afirma.
Única da família que conseguiu aprovação em um concurso público, ela
reforça que uma de suas grandes motivações continua ser ajudar a
família. Alguns de seus irmãos ainda não concluíram nem o ensino
fundamental. “Eles trabalhavam nas construções civis, mas, com a
situação atual do país, muitos deles estão desempregados. Estou
incentivando a estudarem uma graduação e para os que não terminaram o
fundamental e o médio, a fazerem o curso de Jovens e Adultos”, afirma.
Chegada à Ufal
O início das atividades de Maria Guerra na Universidade Federal de
Alagoas foi em abril de 2017, quando tomou posse no cargo de professora
de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT) do Núcleo de
Desenvolvimento Infantil (NDI).
Especialista em Educação em Direitos Humanos e Diversidade pela Ufal e
concluindo mais uma especialização na área de Educação Pobreza e
Desigualdade Social pela Federal da Bahia (UFBA), a docente relata a
satisfação de fazer parte do quadro de servidores da instituição
alagoana. “Sou muito feliz e desejo contribuir no processo de
desenvolvimento das crianças, dando o melhor de mim. Sigo estudando e me
preparando para, em breve, cursar o mestrado em Educação”, afirma a
docente ao acrescentar que sonha em escrever um livro da sua trajetória
de vida, além de ver sua história contada em um documentário ou
curta-metragem.
Compromisso da Ufal com a educação
Entre os mais de 26 mil alunos da Universidade Federal de Alagoas,
quase 7,5 mil escolheram ser professor. Este é o número de matriculados
nos 39 cursos de licenciatura da Ufal. A maior instituição pública de
ensino superior de Alagoas tem o compromisso de formar cerca de 700
pessoas habilitadas a exercer a docência na educação básica, todos os
anos.
“O propósito é formar os professores numa perspectiva
teórico-prática, política, reflexiva e de intervenção da realidade.
Então, a gente entende que o papel da Universidade tem sido em fomentar e
consolidar uma formação ampla, humanística, técnica, pedagógica e de
mudança da realidade. Seja essa realidade individual de cada aluno, seja
no coletivo, mudando os contextos sociais. É papel da Universidade
formar pensadores da educação”, destacou a pró-reitora de Graduação da
Ufal, Sandra Regina Paz.
Há mais de uma década, a Ufal também leva oportunidades para quem
mora no interior do Estado e sonha em ser professor, inclusive lá no
sertão de Maria Guerra. São 31 cursos presenciais de licenciatura nas
cidades de Arapiraca, Penedo e Delmiro Gouveia. Só nas unidades fora de
sede estão matriculados 3,4 mil alunos que acreditam na profissão
docente.
Maria Guerra é uma entre os quase 1,4 mil professores da Ufal, que
procuram se qualificar para o ensino de qualidade. Já são cerca de 700
com título de doutorado. A meta de se tornar docente ela já alcançou,
mas a história continua. “Acredito que minha missão perante Deus e os
homens é lutar pela vida digna de crianças, adolescentes e jovens,
principalmente, os que vivem em situação de vulnerabilidade social. Esta
é a minha identidade e, se por ventura, perdê-la, a essência do nome
Maria Guerra desaparece”, conclui.
Por Ascom Ufal
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